Arquivo do dia: 17 de novembro de 2009

Kantuta, desfrute

A praça regularizada desde 2002 é palco de eventos, comida e troca cultural

Por Ana Ignacio

A Associação Gastronômica Cultural e Folclórica Boliviana Padre Bento, é reponsável por promover a feira de bolivianos na Praça Kantuta. Mas antes de se instalarem nesse local, a feira acontecia na praça Padre Bento. “Me chamaram da regional da Sé. Existia um movimento de bairro para nos tirar de lá”, conta Carlos Garcia, presidente da associação há 38 anos no Brasil. “Aí a regional disse pra gente formar uma associação porque eles gostavam da feira”. Com a associação, a regional da Sé podia legalizar a feira. Foi o que aconteceu. Associação formada, feira legalizada desde 2002.

A Praça da Kantuta, batizada por eles, se refere a uma flor que tem as cores da bandeira da Bolívia. Assim, todos os domingos, cerca de 70 feirantes montam barraca na praça e diversos bolivianos, brasileiros e curiosos visitam o local que oferece comidas típicas, barracas de artesanatos além de promover eventos folclóricos e esportivos e festas em comemoração em datas especiais. “Fazemos festa de carnaval, apresentamos folclore, festa de dia das mães…Aqui é um ponto de encontro”, comemora Carlos. E os bolivianos – e paulistanos – têm muito gosto pela praça.

Linha e tecido

Costura acaba sendo a única opção de trabalho para a maioria dos imigrantes bolivianos

Por Gabriela Galvêz

Como grande parte dos imigrantes bolivianos não possui nenhuma qualificação profissional, as cooperativas de costura acabam sendo uma das únicas opções de trabalho. A Pastoral do Imigrante, local que acolhe os recém-chegados em São Paulo, estima que cerca de 90% dos imigrantes bolivianos vivam da costura.

Segundo o padre Mário Geremias, coordenador do local, “o sistema de produção da costura é muito explorador, é como o corte da cana. Você trabalha por produção e você ganha por quanto você produz, por isso eles são obrigados a trabalhar muito pra ganhar pouco”.

As confecções que abrigam os imigrantes ficam localizadas nas regiões do Brás e do Bom Retiro, grandes pólos da costura. Nesses locais, as roupas são vendidas a menor custo. Além disso, muitas delas vendem roupas por atacado, para revenda em shopping ou em ruas menos populares. Quem sabe não estejamos usando roupas produzidas por bolivianos?

A situação trabalhista dos bolivianos melhorou de um tempo para cá. Antes, a mão-de-obra era explorada. Chegavam a trabalhar 20 horas diárias e ganhavam cerca de 10, 15, ou, no máximo, 20 centavos por peça produzida. Hoje em dia, devido a grande fiscalização, as condições de trabalho melhoraram e a exploração tem sido combatida pelas autoridades.

Ponto de encontro

No Brasil há 38 anos, Carlos Garcia ajudou na regularização da feira da Praça Kantuta

Por Gabriela Galvêz

Há 38 anos, o boliviano Carlos Garcia deixava a Bolívia em direção a Corumbá, em Mato Grosso do Sul, Brasil. Sua atuação política na Bolívia o impedia de permanecer em seu país natal.

Carlos se casou com uma brasileira e os dois trabalham juntos na feira da Kantuta

Carlos faz parte das estatísticas de bolivianos documentados no país, cerca de 70 mil, segundo dados do Itamaraty Mas, antes disso, passou por dificuldades. Somente depois de um ano e meio em situação irregular no Brasil, ele conseguiu se legalizar. Optou por procurar um despachante que cuidasse de sua documentação. “Gastei muito dinheiro com o despachante e ele não fez nada. Ele dizia que o dinheiro era para taxas e para agilizar a papelada, mas acabei ficando sem o registro”, diz. Então, resolveu ir para a Bolívia e lá retirou a documentação para entrar legalmente no Brasil. Hoje, preside a Associação Gastronômica Cultural e Folclórica Boliviana Padre Bento, responsável pela organização da feira da Kantuta. Mora em São Paulo com sua esposa e aos domingos aproveita para ganhar um dinheiro extra vendendo empanadas na típica feira boliviana.

Meu lugar é aqui

Imigrante boliviana afirma que foi bem acolhida pelo Brasil e não pretende retornar à Bolívia

Por Gabriela Galvês

Dona de seu próprio negócio, convívio com seus compatriotas e sem planos de voltar a seu país natal. É assim a vida de Alícia Flores, boliviana que está há 20 anos no Brasil e tem uma barraca na feira da Praça Kantuta, reduto de bolivianos em São Paulo.

Alícia só vai a Bolívia para comprar produtos para vender em São Paulo, na Kantuta

Mas, como milhares de bolivianos que imigraram para cá sem qualificação profissional, Alícia passou por dificuldades e trabalhou muito tempo com costura. “Sai [propaganda] na televisão, periódico e jornal falando do trabalho para bolivianos com costura no Brasil. A costura acaba se tornando a única opção”, conta ao relembrar que, durante oito anos, chegou a passar 18 horas diárias costurando. Segundo ela, muitos bolivianos são procurados antes mesmo de chegar ao Brasil.

Sua barraca de especiarias e produtos tipicamente bolivianos exige a visita ao país natal. Alícia e o marido se revezam em constantes viagens à Bolívia para a compra das mercadorias. Mas, quando questionada se deseja voltar a morar lá, ela é clara: “Fui muito bem acolhida. Não quero voltar, aqui consigo encontrar os meus clientes, as minhas amigas. A minha vida agora é aqui”.

Os filhos se preocupam com a mãe e querem que ela se aposente. Mas, pegou gosto pela praça. “Meus filhos falam que é cansativo trabalhar aqui, mas pra mim, é uma terapia”, releva Alicia. Segundo a boliviana, seus compatriotas vêm para o Brasil porque não há trabalho na Bolívia. “Não tem fábricas lá e, o boliviano que tem dinheiro investe em outros países”.